Literatura não é consenso

  • O morro dos ventos uivantes é literatura de segunda linha; Dostoiévski é melhor do que Tolstói; Tolstói é o melhor escritor russo; textos de apoio são suporte para leitores preguiçosos; textos de apoio são de grande valor; aprenda idiomas e leia no original; não seja pedante e leia de qualquer jeito; leitura é entretenimento; leia para engrandecer a alma; leia literatura brasileira antes de ler os russos; esqueça a literatura brasileira; compre livros; pare de comprar livros; avalie as edições; leia em qualquer edição…

    Não há problema algum nisso! Muito pelo contrário.

    A questão é que, se nós não nos preocuparmos em fortalecer a nossa própria percepção sobre o que lemos, ou sobre o que “devemos” ler, há uma chance enorme de ficarmos perdidos e angustiados.

    Sem falar na derrocada da personalidade pelo ímpeto de supor que aquilo que o outro acredita, ou pensa, ou defende, é melhor ou mais adequado.

    Se cada coisa que eu ler ou ouvir sobre Freud, Jane Austen, Oscar Wilde, (ou seja lá quem for), serem dispensáveis, me fizer desistir ou mudar de ideia, pode significar que as minhas próprias percepções estão muito frágeis.

    Um dos últimos ensaios de Tolstói, escrito entre 1903 e 1906, “Shakespeare e o drama“, é uma manifestação severa contra o dramaturgo inglês.

    “Lembro a surpresa que tive à primeira leitura de Shakespeare. Esperava experimentar um grande prazer estético, mas lendo, uma após a outra, suas melhores obras: Rei Lear, Romeu e Julieta, Hamlet e Macbeth, não apenas não senti prazer algum, mas senti uma aversão ‘irresistível e tédio.

    Shakespeare e o drama, Tolstói

    […] Por muito tempo acreditei em mim e durante cinquenta anos, para testar-me, apliquei-me várias vezes a ler Shakespeare de todas as formas possíveis: em russo, em inglês, em alemão, na tradução de Schlegel, que me havia sido recomendada. Reli os dramas, as comédias, as peças históricas e continuei sentindo invariavelmente a mesma coisa: aversão, tédio e incredulidade.”

    Shakespeare e o drama, Tolstói

    INCLUSIVE, TOLSTÓI CONSIDERAVA A CABANA DO PAI TOMÁS SUPERIOR A REI LEAR.

    A forma debochada com que o Nabokov eleva Tolstói e diminui Dostoiévski já é bastante conhecida pelos leitores dos russos.

    Tolstói é o maior prosador russo. Deixando de lado seus precursores Púchkin e Liérmontov, podemos relacionar os maiores autores russos em prosa da seguinte forma: primeiro, Tolstói; segundo, Gógol; terceiro, Tchekhov; quarto, Turguêniev. Isso se parece muito com dar notas nos exames de estudantes, e sem dúvida Dostoiévski e Saltikov estão esperando do lado de fora de meu escritório para discutir seus maus resultados.”

    Texto sobre Anna Karenina em Lições de Literatura Russa de Nabokov

    No livro Vampes e Vadias, da Camille Paglia, há um texto intitulado Sontag, Bloody Sontag, nele a Camille explica as razões da decadência da admiração que tinha pela Susan Sontag:

    Eu comecei a ver Sontag como a rainha da igrejinha do establishment literário de Nova Iorque. Como Glória Steinem, ela se tornou a insider consumada dando uma de outsider.

    Vampes e Vadias, da Camille Paglia

    Quando perguntaram à Sontag sobre isso, ela respondeu: “Eu não sei quem ela é.”

    Claro que a Camille não ia deixar passar:

    “Ou bem ela tem que reconhecer as minhas ideias, ou então mentir. É uma presunçosa. Ela nunca teve ninguém que a desafiasse e não sabe lidar com isso. A imperadora está nua “

    Harold Bloom se irritou com Vladimir Nabokov porque ele disse que Elizabeth Bennet era insípida:

    A única pessoa que recordo não ter gostado da heroína de Orgulho e Preconceito foi Vladimir Nabokov, que fez com que eu me retirasse de um salão de conferências, na Universidade de Cornell (em 1947), devido à sua insistência na inferioridade de Jane Austen diante de Nicolai Gógol. Elizabeth Bennet, proclamava Nabokov (fazendo lembrar Humbert Humber) é insípida.

    Harold Bloom

    “Every time I read ‘Pride and Prejudice’ I want to dig her up and beat her over the head with her own shin-bone.”

    Mark Twain

    Mark Twain sobre Jane Austen:

    Toda vez que leio Orgulho e Preconceito eu quero desenterrá-la e bater na cabeça dela com a própria tíbia.

    Mark Twain

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